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Bom Jesus da Lapa - Cidades do Velho Chico 17

O renascimento de Carol


                                                         Landisvalth Lima
Carol vive sua renascença (foto: Landisvalth Lima)
Era uma sexta-feira como outra qualquer, num 12 de agosto do ano atual. Por acaso do tempo, o relógio registrava 18:30. O cenário era o povoado Serra dos Correias, no município de Heliópolis. Naquela hora Carol voltava da casa de uma amiga. Assistira a um filme qualquer, diversão corriqueira. A estudante trazia um notebook, uma bandeja de vidro para lasanha e outras tralhas. Na entrada da casa dos avós, viu um homem numa motocicleta. Estava muito bem vestido num moletom, bem-apessoado e jovem. Beirava os vinte anos, talvez menos. Bruscamente, o motoqueiro parou frente a ela:
- Passe as coisas! - Disse de forma tranquila.
Carol logo percebeu que era um assalto e entrou em pânico. Pensou logo em entregar o notebook e torcia para que, logo depois, o rapaz fosse embora e ela teria uma história para contar, além do prejuízo. Não aconteceu apenas isso. É provável que o ex bem-apessoado tenha conhecido o rosto quase angelical da agora apavorada garota. Além do tempero angustiante do pânico, a escuridão impedia que ela conhecesse o seu algoz. Por um instante torceu para que tudo acabasse ali.
Mas deu tempo ainda para que Carol percebesse o agora nervosismo tomando conta do assaltante. Enquanto ela estendia as mãos para entregar tudo, ele resolveu procurar uma arma. Atabalhoadamente conseguiu sacar um provável revolver de calibre 32. O medo de Carol virou tri pânico porque a arma foi apontada para sua cabeça.
- Além de perder suas coisas, você vai perder a vida. – Disse e, em seguida, puxou o gatilho.
A bala não saiu.
Carol estava atordoada pela zoada ensurdecedora provocada pelo estampido e por achar que tinha sido atingida na cabeça. Para ela, o sangue já corria por entre seus cabelos castanhos, que seriam lavados quando chegasse a casa dos avós que a criaram. Por um lapso de segundo, percebendo-se viva, resolveu reagir. A bandeja que trazia na mão foi baixada sem piedade na cabeça do atordoado bandido, que foi ao chão. Dali ela poderia correr e gritar. Só conseguiu gritar porque se desequilibrou e caiu ao lado do meliante.
Com o jogo empatado, o bandido tentou terminar o serviço. Parecia que nunca havia atirado na vida. Atirou novamente em Carol e o tiro passou perto do corpo da adolescente. Ela chegou a sentir a quentura da bala zumbindo ao lado do seu tórax, enquanto lutava com o assaltante para se manter viva. Sabendo que não teria sorte pela terceira vez, Carol conseguiu segurar a mão quase assassina do bandido para evitar o revolver apontado em sua direção.
O pai de Carol e os seus avós correram em seu socorro. O primeiro a chegar ao local foi o pai dela. Avistou o bandido já quase dominando a garota e já posicionado por sobre o corpo dela. Com um golpe violento, o pai tirou o bandido de cima de Carol. Foi nessa hora que saiu mais um tiro. Ela ainda pensava que a cabeça e o tórax estavam perfurados por balas. Nem imaginava que a bala que a atingiu foi a do último tiro dado. O projétil penetrou em sua cintura, a um centímetro do osso da bacia e atravessou o seu quadril e foi sair na parte superior da coxa. O bandido ainda disparou a arma mais duas vezes: uma na direção do pai de Carol e outra na direção do avô. Nenhuma das balas atingiu os alvos desejados.
A estudante viu quando o bandido conseguiu pegar sua moto e sair em disparada na direção oposta ao povoado. Ainda ofegante, entrou na casa, depois de se certificar que todos estavam bem. Só quando estava no banheiro percebeu que tinha sido baleada ao ver o sangue na perna escorrendo. Foi socorrida e levada ao hospital. Tinha hematomas por todo o corpo e uma mão inchada. Na luta com o bandido, chegou a esmurrá-lo.
Doze dias após o acontecido, depois de depoimentos aos policiais, Carol não consegue identificar o bandido, mas promete voltar à escola dia 29 de agosto. Ainda está arrastando uma perna, mas sente falta dos estudos, das colegas... da vida rotineira. Agora, principalmente agora, a menina baleada da Serra dos Correias sabe que teve muita sorte. Renasceu! Embora leve no rosto, por algum tempo, as marcas inevitáveis da tragédia, também sente na alma a necessidade de valorizar a segunda vida que recebeu. Carol é uma das poucas vítimas sortudas deste mundo cada vez mais violento e desregrado.